terça-feira, 7 de agosto de 2012

O que as crianças aprendem enquanto brincam? Análise de observações das crianças brincando no parque da escola.



                                                    
        “Pulando carniça” Cândido Portinari


Elas [as crianças] possuem um vigor jovem para gastar, músculos que necessitam funcionar, garras que querem brincar, porque tudo isso está em sua natureza, como dormir, comer... e o adulto pergunta ingenuamente que força é esta que impele a criança a brincar obstinadamente em vez de repousar. (Freinet 1998, p 207)

Temos visto como a brincadeira é um trabalho pedagógico que tem um papel específico no desenvolvimento e na aprendizagem das crianças. Nesse texto, farei um relato de brincadeiras espontâneas realizadas no parque da escola Curumim de Campinas, observadas nos anos em que trabalhei nessa escola, que adota uma pedagogia baseada no pedagogo Célestin Freinet.
Nascido em 15 de outubro de 1896, no sul da França, Freinet fez da escola o local para as crianças terem contato com a natureza, indo contra os modelos franceses de educação que faziam da escola uma “prisão”. Ele tinha como prática anotar o que os seus alunos falavam, seus comportamentos, o que conquistavam, o que ainda precisavam conquistar e foi descobrindo o interesse das crianças, a personalidade de cada uma delas. Leu Rousseau, Rabelais, Montaigne, Pestalozzi. Em 1930, Fréinet adaptou a escola ao contexto urbano e criou a escola de Vence, uma escola a favor da vida, da natureza, da consciência política, de uma sociedade mais justa, contra a escola tradicional –em que estes princípios estavam deixados de lado. Freinet criou várias técnicas de trabalho respeitando as crianças em suas necessidades vitais que para ele eram: a necessidade de criar de todo ser humano, de se expressar, de se comunicar, de viver em grupos, de ter sucesso, de agir – descobrir, de se organizar. Segundo Freinet (1998), a atividade manual e a intelectual estão entrelaçadas. A criança deve ser a artesã de sua própria educação, capaz de decidir, pensar, criticar, reavaliar o seu próprio trabalho.

Sem cuidar muito da psicologia da criança e movido sobretudo pelas preocupações  socias, mas guardando a devida distância frente às doutrinas que põem mais em evidência a transmissão pelo mestre, de que falamos acima, Fréinet interessou-se mais em fazer da escola um centro de atividades permanecendo em comunicação com as da comunidade ambiente.  (PIAGET 1985).

Por tais motivos escolhi fazer minhas observações na escola Curumim de Campinas, com crianças das turmas de educação infantil, ( 3 a 6 anos). A Curumim é uma escola da rede particular que atende crianças de classe média, alternativa aos modelos tradicionais, que surgiu na década de 70, com um projeto de educação democrático baseada em Célestin Freinet: uma visão de vida, de criança, de adulto, de ensino, que é discutida e estudada entre todos os participantes da escola (direção, professores, funcionários, pais e alunos). O principal objetivo da escola é a formação para a cidadania, através de práticas de trabalho que levam à autonomia do aluno, à livre expressão, ao espírito crítico, à cooperação, à solidariedade, às praticas de partilha, respeito, reflexão.  Além disso, é prática comum entre os professores o registro de atividades diárias.
Passarei ao relato dessas atividades, registradas enquanto as crianças brincavam no parque, para mostrar a importância da brincadeira a partir das falas das crianças.

 Eu sou a mamãe! Eu vou buscar na escola El. (3 anos e 5 meses) está sentada num balanço feito de três pneus imitando um carro
 Ehhhhhhhhh!!!!!! A mamãe chegou! Filhinhas, Ia. (3 anos e 6 meses) e Cyn. (3 anos e 10 meses), saem do tanque de areia gritando.
 Oi filhinhas, a mamãe chegou! Agora a gente vai para casa. Entra no carro! Aqui nessa escola as mamães não pode ficar só as crianças. Eu não falei que a mamãe ia voltar. A mamãe vai e volta para buscar as filhinhas. El.
As três sobem no balanço e fingem estar voltando para casa.
Nas brincadeiras das crianças podemos ver como essas se desenvolvem, porque o brincar deve fazer parte do trabalho com os pequenos e como brincar é uma atividade que também se aprende.  Fréinet vai mais além dizendo que a brincadeira é também um trabalho sério realizado pelas crianças:
... temos a explicação muito simples da seriedade com que as crianças brincam. Dizemos: “Esses jogos não têm objetivo”. Eles têm o mesmo objetivo, porém subconsciente, do trabalho. O filhote de gato que brinca com uma folha ruidosa faz os mesmos gestos necessários com a mesma seriedade e aplicação que os faria se a folha fosse um camundongo de verdade. A criança também executa seus gestos com a mesma seriedade que aplicaria num trabalho que atendesse às suas necessidades, mas ela não tem consciência desse parentesco... Trata-se de uma espécie de segunda vida que se desenvolve na área da imaginação e do sonho, mas cujas possíveis relações com a atividade consciente e a utilidade social, nós assinalamos... vê-se que estão inteiramente absorvidas em seu trabalho, num mundo à parte.  (FREINET, 1998, p. 209).

Fontana (1997) ao falar das contribuições de Vygotsky sobre esse papel da brincadeira completa a idéia acima dizendo que nas brincadeiras, as crianças fazem coisas que estão muito além daquilo que elas conseguem realizar no seu cotidiano. Ao vermos as crianças brincando, ao assumirem determinados papeis, elas conseguem cumprir regras, como escovar os dentes, tomar banho, que na vida real não cumprem.
Quem conhece as crianças dessa idade sabe que é preciso estar constantemente lhe dizendo o que fazer. É preciso sempre chamá-las para tomar banho, lembrá-las de escovar os dentes... Ela ainda não decide antecipadamente o que vai fazer e só submete o seu comportamento a regras impostas obedecendo a uma autoridade exterior. (FONTANA, 1997, p. 129)

Por exemplo: “El”, ao assumir o papel de mãe no primeiro episódio anteriormente relatado, repetiu o discurso da professora dizendo que naquela escola só ficam as crianças e que as mães iam apenas levá-las e buscá-las. “El” é uma das crianças que mais chorou no período de adaptação e que naquele momento, ainda fazia um “charme” quando a mãe ia entregá-la na escola, dizendo que gostaria que a mãe ficasse mais um pouquinho na sala. “El”, através da brincadeira, está expressando algo que ainda está sendo conquistado por ela.  Ela consegue dizer claramente o que às vezes não quer ouvir de um adulto: que sua mãe não pode ficar com ela na escola. “Assim, o atributo essencial do brinquedo é que uma regra torna-se desejo.” (VYGOTSKY, 1991, p. 113)

É um desejo de conquista de algo que é próximo, mas ainda não atingido por eles.
Para Vygotsky, nas brincadeiras as crianças conseguem controlar suas ações impulsivas e submetê-las as regras que muitas vezes não cumpre na vida real. Como resultado, vão tornando-se consciente desse controle e é nessa consciência da conquista que reside todo o prazer da brincadeira e não na brincadeira em si, como propõe Freud.
 Nas brincadeiras podemos perceber como as crianças enxergam o mundo, como elas se posicionam com relação ao outro e assumem papeis que ainda não podem assumir: mãe, pai, trabalhador... Vemos como as crianças começam a elaborar, ou como aparecem as primeiras noções de tempo - “porque agora ela é a mamãe. Tem um bebê na barriga dela e depois ela vai ter um bebê” e espaço – “ não passa aí,  que é a parede da casa!!! ‘Ó a porta!”(casa grande, desenhada pelas crianças no chão com giz de lousa) e as noções de mundo  - “ eu sou irmão dela e o meu bebê é primo do bebê dela”.  Neste último caso, por exemplo, apareceu o conhecimento das relações de parentesco, que na brincadeira, acabou sendo socializado para os outros membros do grupo.

 Eu sou a professora. AN , vem trocar de roupa! El. senta numa cadeira, pega a mochila do An. e fica esperando. Abre a mochila, finge que pegou um a blusa.
Você molhou a sua blusa AN., tem que trocar! finge trocar o AN..
Agora vem a AL.  trocar. Vem AL., eu estou te esperando!

Nesse episódio, por exemplo, Al finge ser a professora chamando as crianças para trocar de roupa. É parte do plano de trabalho da escola com as crianças o cuidado com o bem estar físico delas. É tão importante quanto o trabalho com os “conteúdos”, ter o cuidado cotidiano com a criança de não deixá-la molhada, de ensiná-la a fazer uso do banheiro, limpar-se, lavar as mãos depois do parque, antes do lanche, após usar o banheiro..., escovar os dentes, ensiná-los também a se trocarem sozinhos num jogo de eu começo e você continua a por sua roupa, pois essas são especificidades e necessidades dessa faixa etária. É tão importante e presente no nosso dia a dia, que é um trabalho visualizado por Al., quando é a vez dela ser a professora.
Esse episódio demonstra como as crianças, através da imitação, expressam o que aprenderam das funções e dos papeis das outras pessoas na escola. Segundo Vygotsky (1999) é através da imitação do que as crianças vão observando do outro, que estas vão muito além das suas próprias capacidades, quando elas se encontram numa atividade coletiva, ou sob a orientação de um adulto.
Cada atitude da criança, por exemplo, revela o que ela percebeu do seu ambiente. Mesmo quando ela imita um amigo, um adulto, na verdade, não é uma mera imitação, uma cópia, mas o que ela aprendeu do que ela viu e quis também fazer e se olharmos bem, veremos que mesmo essa imitação conserva um jeito de ser que faz parte da personalidade dela, que o outro – o imitado, não tem. Portanto a imitação não é uma mera cópia, mas sim uma forma de apropriar-se do que é do outro e tornar isso seu.
Para Vygotsky a imitação é uma reconstrução individual do que observamos nos outros e que abre a possibilidade para criar algo novo a partir do que observamos. Não é algo mecânico, mas uma oportunidade para a criança de tentar realizar até mesmo, coisas acima das suas capacidades, contribuindo para o seu desenvolvimento. Mas só é possível para esta, imitar o que está dentro do nível de desenvolvimento proximal.
Freinet denomina por jogo – trabalho a brincadeira vivenciada pelas crianças. Para ele, ao brincar, elas estão “seriamente” agindo sobre sua própria realidade.

 As crianças que não podem entregar-se ao jogo- trabalho, que não podem construir de verdade, nem ceifar um verdadeiro trigo, nem pastorear um rebanho vivo... em todos os tempos e lugares, procuram instintivamente, e acham, atividades que, na origem, possuem os elementos essenciais desses trabalhos específicos, mas que são como um maravilhoso plágio deles, adaptado as suas necessidades, a seu espírito, a seu ritmo de vida. E o plágio é tão bem feito, e em geral tão complexo, que nós já nem reconhecemos a imagem de nossa própria atividade e denominamos este impressionante êxito: um jogo! (FREINET 1998, p. 209)

Pela brincadeira as crianças entram em contato com os quatro elementos:
 A terra,
 A areia é movediça e instável, maleável e misteriosa. Obedece à mão que a domina, cobre todos os sulcos ou se levanta como uma montanha, invade como uma multidão viva o buraco que acaba de cavar, se espalha, voa e cintila. Com a areia, são satisfeitas todas as tendências infantis essenciais: sentimento de potência em primeiro lugar, de impaciência na espera de um resultado que se queria que seguisse imediatamente a ação; vida e dinamismo, e mistério. Quando a criança cobre a perna com areia quente, é como que um suave invólucro que a acaricia, mas, quando enfia o braço até o ombro nessa massa movediça, isso lhe provoca uma espécie de frêmito, como se um animal insinuante lhe estreitasse o corpo. (Idem e Ibidem, p. 197 - 198)

 A água ,
Ela é clara e transparente... borbulha docemente; e, sobretudo, é tão dócil, tão maleável, tão obediente, sem deixar entretanto de ser ativa e instável. Ao seu contato, temos a impressão de ser, por uns instantes, senhores absolutos dessa forma caprichosa, cuja dominação exalta nosso sentimento de potência; pegamo-la na mão, que ela acaricia com o seu frescor para nos escapulir entre os dedos nervosamente cerrados; esborrifa se a batemos; nós a guiamos com facilidade, ... mas ela nos escapa tão furtivamente como um peixe buliçoso... (Idem e Ibidem, p. 197)

O fogo,
O fogo como a água obedecem ao seu controle e vontade... A criança produz fogo, magia da potência! Risca um fósforo e acontece o mais maravilhoso efeito para uma criança: do nada, por seu gesto e por sua habilidade, como por um toque de varinha de condão,  nasce uma chama. (Idem e Ibidem, p. 200)

E também o ar. Quando brincavam com o barro, com a argila, quando iam ao tanque de areia, brincavam com as pedras, com as plantas, com a grama, subiam em árvores, soltavam barquinhos e outros objetos na água, faziam uma sopa de papel, ou escorregavam com o chão molhado, com o papelão na grama, quando soltavam balões, bolinhas de sabão, aviões… estavam dominando estes quatro elementos. As crianças sempre demonstravam encantamento e grande êxtase ao lidar com aterra, a água, o ar e o fogo

Não é de surpreender, portanto, que a criança prefira trabalhar na água ou na areia a se entregar a áridas tarefas passivas, sem vigor e sem vida, sem profundidade nem mistério, que ela raramente pode dominar, diante das quais se sente fraca... o indivíduo não pode viver com o sentimento de impotência: jamais se acomoda à derrota. Precisa vencer e triunfar... (FREINET 1998: 198)

Nessas brincadeiras sentiam com o corpo o que era áspero ou o que era liso, escorregadio, as diferentes texturas. Viam o que era maleável – “Eca que molenga” (o barro), ou “O papel molhou. Ah água fez furinho no papel. Tem que fazer um barco de plástico. Ih, rasgou! Vamos fazer uma sopa de papel”. Provam o que é elástico ou móvel. Aprendiam noções espaciais como cima, alto, baixo, trás, frente - “eu vou esconder atrás da caixa”. Seco, molhado, grande, pequeno, equilíbrio, diferentes temperaturas - “Quem quer meu bolo?” (de areia) ih, queimou, tá quente! Passa pomadinha”….. Observavam o que afunda mais rápido na água “Ah, o barquinho afundou. Entrou água nele e ele afundou. Esse não! Vamos por água nele pra ele afundar também?”Aprendiam o que cai mais devagar no chão, a controlar sua força e usá-la para balançar, soprar, sugar, empurrar, descer, subir - “Empurra mais forte? Ó, eu tô altona!”Aprendiam a ouvir e fazer, olhar e identificar características e separar por meio do que ouviram, viram, sentiram...
A música também era uma brincadeira gostosa quando as crianças transformavam-se em cavaleiros para salvar suas Margaridas, quando a “Rosa Juvenil” recebiam o beijo do lindo rei, quando a “Dona Aranha” subia pela parede, ou “os peixinhos” ficavam presos no mar… Ao brincar cantando, ou cantar brincando, era agradável ficar na escola e deixar o espaço da sua casa para aprender a  dividir com os amigos o espaço, o tempo, os objetos, a diversão e a atenção.  As crianças também ampliaram o seu vocabulário, brincaram com a rima e jogaram com as palavras “Olha um sapo dentro de um saco. Um saco com um sapo dentro. Um sapo batendo papo e o papo do sapo soltando vento.” (Trava línguas popular).

Ao mesmo tempo
do mesmo modo que a primeira forma de expressão dos primitivos foi o ritmo e a dança a primeira expressão infantil, aquela pela qual a criança, que ainda não sabe falar, comunica-se com os que o cercam é a expressão gestual. Todavia, cada uma das nossas crianças possui seu ritmo de vida própria, seu ritmo natural, com o qual vai na direção do mundo. Este ritmo, nós o reencontramos em cada um dos seus gestos, em cada uma de suas obras, em sua maneira de falar assim como em seus jogos. (PORQUET, 1964, p. 93)

Com as crianças, as caixas viram carros, armários e muros. Com as roupas eles viram heróis, princesas, reis, mamães, bebês, pais, médicos, flor, cachorrinhos, leões e outros bichos. Panos viram cabanas e casas.
Vygotsky (1991) mostra-nos que nas brincadeiras, as crianças em idade pré- escolar, conseguem separar o objeto de seu significado. Ela vê um objeto, mas age de maneira diferente em relação àquilo que ela vê e o objeto em si, perde a sua força determinadora. Um balanço não serve só para balançar, mas pode virar um cavalo. Aqui a criança dirige seu comportamento não só pela balança, mas pelo significado da situação, e suas ações surgem do seu imaginário, de suas idéias e não do objeto em si. Com isso o brincar muda a estrutura de sua percepção da realidade, pois ela consegue separar significado e objeto que permitirá mais tarde que ela generalize um significado para outros objetos e consiga agir de acordo com essa generalização. “Dessa forma, através do brinquedo, a criança atinge uma definição funcional de conceitos ou de objetos, e as palavras passam a se tornar parte de algo concreto” (Idem e Ibidem, pg. 113)
Esse é o meu castelo. (espaço embaixo do escorregador) Eu sou a princesa Aurora. Você é a Cinderela. Al (4anos)
Eu sou a Branca de Neve. Bia (4anos).  E quem vai ser a bruxa? Ah, faz de conta que a bruxa é esse aqui. (poste perto do parque). Esconde aqui!!! Ai, vai pegar a gente!
Olha a vassoura dela ali! Al aponta uma vassoura encostada próxima à parede do banheiro.
Al e Bia mostram como as crianças vivem em castelos mal assombrados com bruxas, com jacarés em volta. Estes castelos prendem várias princesas e margaridas, porque no mundo deles, existem muitas Brancas de Neve, muitos Lobos Maus e todos podem ser princesas e príncipes.
Várias vezes as crianças transformam-se na Chapeuzinho Vermelho e ao caminhar no que eles chamam de floresta, (o jardim plantado pelo seu Zé) com o Lobo Mau, normalmente representado pela professora. As crianças gritam em coro:
“- Tá pronto seu lobo?”
 “- Não!!!” responde a professora com voz grossa.

 Os objetos que as crianças utilizam para brincar não são determinantes da qualidade da brincadeira, ou do prazer que elas estão sentindo ao brincar. As crianças são simples e para elas outros objetos podem virar “brinquedo”, quando querem brincar.

 como é possível, numa época em que as lojas transbordam de brinquedos, um mais engenhoso do que o outro e, aparentemente, em nossa opinião, tão interessantes para os nossos filhos, vermos as crianças abandonarem essas novidades, assim que estão livres, para se entregarem àqueles mesmos jogos que nos apaixonaram no tempo em que ainda não grassava essa superabundância mercantil? Porque todos os educadores ...fracassam em sua preocupação de renovar jogos, impotentes que são  para abalar a atração soberana dos jogos tradicionais? (FRÉINET 1998, p. 214)

Ariès, 1985, ainda sugere que as crianças são conservadoras quanto à escolha de seus brinquedos, apesar da grande variedade disponível nas lojas. Gostam de cavalos de pau, de cataventos, de arcos, os mesmo brinquedos presentes na idade média.

Mas, enquanto os moinhos de vento há muito desapareceram de nossos campos, os cataventos continuam a ser vendidos nas lojas de brinquedos nos quiosques dos jardins públicos ou nas feiras. As crianças constituem as sociedades humanas mais conservadoras. (ARIÈS, 1985).

O brincar é decisivo na formação do ser humano e as crianças se integram no meio social e aprendem a se relacionar, a emprestar, a esperar a vez, aprendem as primeiras regras e a distribuir papéis - “eu sou a bruxa malvada que vai prender você no castelo. Você é a princesa e fica aqui atrás do muro” - e estruturam sua capacidade de julgar situações. Por exemplo:
As crianças estavam no banheiro lavando as mãos e o rosto, depois do parque, para ir para a sala trocar os que necessitavam ser trocados, a fim de fazer a roda e ir embora.

Ia., El., Al. Ba. e An estão no banheiro lavando as mãos.
Ia. pega a bucha e começa a lavar a pia e a parede em frente. As outras crianças vêm o seu gesto e imitam também.
Eu sou a Dona Rosa. Eu vou lavar o banheiro que `tá sujo. Diz Ia. Rindo.
Os outros acham engraçado e resolvem participar da brincadeira brincando também de “Dona Rosa”, brincadeira que ganhou esse nome e passou a ser repetida muitas vezes por eles.
Eu vou limpar tudinho essa sujeirinha pra turma usar o banheiro. El.
Não molha o chão crianças, porque a dona Ro. ´tá limpando o banheiro e vai estragar o trabalho dela.  Diz  Ba. Imitando a professora.

Apesar de nos primeiros anos de vida as crianças estarem mais envolvidas com as situações lúdicas, as regras estão implícitas nessas situações. Fontana, 1997 comenta que segundo Vygotsky, nos jogos imaginários há regras e que nos jogos de regras há também situações imaginárias. A princípio a situação imaginária durante a brincadeira é clara e as regras são implícitas. Conforme as crianças vão brincando, vão tornando-se conscientes da existência das regras nas brincadeiras e as regras vão tornando-se claras e a situação imaginária implícita.
No Maternal, percebo que a situação lúdica é clara para eles e que as regras estão implícitas ali no jogo, mas que isso não é tão consciente para eles. As crianças sabem que numa brincadeira de Lobo Mau, a Chapeuzinho primeiro vai até a mamãe pegar os doce, ouvir os conselhos, depois sai pela estrada, muda de caminho... Ou seja, quando observo a turma brincando de Lobo Mau, vejo toda uma sequência que se segue como regra obrigatória da brincadeira, mas o mais importante é o Lobo que é mau, a Chapeuzinho indefesa...
Ainda quando estavam participando dos jogos de regra, como um jogo da memória dos bichos da sala, percebi que logo as crianças começavam a espalhar as peças no chão e a dizer que tinha um leão correndo atrás deles, como se os bichos das peças saltassem e fossem pegá-los. Ou ainda, via uma criança no canto pegando os pares do jogo, um macho e uma fêmea e brincando de mamãe e papai.
Nas brincadeiras as crianças aprendem a conviver socialmente, a repartir, a se divertir, aprendem conceitos, a usar seu corpo, a fantasiar, a imitar o que vêm, a construir objetos para usar nas brincadeiras, aprendem novas palavras, a compartilhar com o outro e a ouvir do outras novas idéias. A brincadeira é uma forma de a criança explorar o mundo e explorar as suas possibilidades nesse mundo, com o auxílio, ou o prazer da companhia e da troca com outros seres humanos.
Durante o tempo que permaneci observando as crianças brincando no parque, também pude acompanhar e participar de brincadeiras realizadas com as crianças, através da mediação de um adulto. Nessa observação assisti o desenvolvimento de aspectos cognitivos, motores, sociais, afetivos através dos jogos, de maneira espontânea e implícita. As crianças divertiam-se e ao mesmo tempo desenvolviam-se, sob o olhar atento e consciente das professoras, que nas brincadeiras também eram participantes desse aprendizado e não meras instrutoras, que fazem  uso da brincadeira como mais uma técnica para atingir objetivos propostos. O brincar junto com os professores reforçava os laços afetivos com os mesmos, esclarecia regras, às vezes perdidas pelo grupo, tornando-se grande fonte de aprendizado. Muitas vezes ouvia as crianças dizendo: “Minha mãe disse que brincava assim”, o que enriquecia a brincadeira, mostrando que uma mesma brincadeira poderia ter uma regra um pouco diferente, dependendo da região em que cada um nasceu e aprendeu a brincar. Ou ainda ouvia “E se a gente fizer assim? Não fica legal?” o que criava novas possibilidades para o mesmo jogo, de acordo com as necessidades e gostos das crianças. Como diria Vygotsky, 1998, “...nas formas superiores do comportamento humano, o indivíduo modifica ativamente a situação estimuladora como parte do processo de resposta à ela.”

Qual o papel do professor nessas brincadeiras? Segundo Munhoz Maluf, 2000 o papel é:
•Dar apoio;
•Escolher o momento certo para ajudar a criança a se retirar da brincadeira, quando sentir que ela está insegura.
•Assegurar sempre que a criança esteja pronta para novas experiências, deixando que ela se manifeste.
•Dar idéias: sugerir novas atividades, e estar sempre preparado a ter idéias rejeitadas, quando as crianças ficarem determinadas e seguirem outro rumo.
•Estimular conversas: às vezes a conversa decorre naturalmente da brincadeira, desviando a atenção da criança do aqui e agora.
•Dar conselhos: julgar cuidadosamente quando a criança será capaz de aprender com a experiência, ou se é melhor intervir.
•Atuar como juiz: avaliar situações intervir, para resolver atritos ou evitá-los.
•Tomar parte na brincadeira: aceitar qualquer papel que lhe seja atribuído.
•Ajudar uma criança em dificuldades quando alguma tarefa está além das suas capacidades.

Ali eram propostos novos desafios como a exploração do corpo e do espaço, aumentava-se as informações e até o vocabulário, comunicavam-se e trabalhava-se sentimentos, emoções e pensamentos, aprendia-se a confiança, o respeito ao outro, a si e as regras.
 Postarei nesse blog a descrição das brincadeiras selecionadas, para melhor ilustrar o desenvolvimento que estas proporcionam às crianças. Eram jogos de regra, alguns ainda em caráter lúdico. “jogos com regras às claras e uma situação imaginária oculta delineia a evolução do brinquedo das crianças” (Vygotsky, 1998, p. 126)
Classifiquei os jogos vivenciados em Jogos de Dramatização, Jogos Cognitivos, Jogos Corporais, Brincadeiras Cantadas e Construção de Brinquedos, basta procurar na barra pesquisar desse blog, para achar cada um desse grupo de brincadeiras.

A criança tem necessidade de andar e saltar: não a podemos condenar a ficar imóvel, porque certamente falharíamos e a prejudicaríamos [...]. Porque a criança tem necessidade de agir, criar e trabalhar, isto é, empregar a sua atividade numa tarefa individual ou socialmente útil [...]. (Freinet, 1974, p. 49) 


PS: COMPARTILHO MEU TRABALHO COM OBJETIVO DE TROCARMOS EXPERIÊNCIAS. NÃO  USE INDEVIDAMENTE ESSAS ATIVIDADES. CASO  USE PARA ALGUM TRABALHO, CITE A FONTE. DESDE JÁ, AGRADEÇO A COMPREENSÃO!


Bibliografia:


CAETANO, Aline Moelas. Práticas escolares com crianças de educação infantil       
      segundo a proposta Freinet - A aprendizagem de uma cultura escolar por                  
      crianças de dois a três anos de idade. SP,Universidade Estadual de Campinas, 
      Faculdade de Educação, 2001.


FONTANA, Roseli. e CRUZ, Nazaré. Psicologia do Trabalho Pedagógico.
       Série Educador em Construção. São Paulo, Atual, 1997.


FREINET, Célestin. Educação para o trabalho. SP, Martins Fonte, 1998, 1ª ed.


MANTOVANI, Susanna. Manual de Educação Infantil. Arte Média, Porto Alegre,
        1998. 


SILBERG, Jackie. 125 brincadeiras para estimular o cérebro da criança de 1 a 3
    anos. SP, Ground, 1934.


SLADE, Peter. O Jogo Dramático Infantil. SP, Summus, 1978, 7. Ed.


VYGOTSKY, Liev Semiónovitch. Pensamento e Linguagem. SP, Martins Fonte,
       1999, 2ª ed.

_______________. A Formação Social da Mente. SP, Martins Fonte,
       1991, 4ªed.   

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